Uma irreverência entre a memória e a saudade
Há um fio ténue que liga a memória com a saudade. Chamei-lhe irreverência porque ele se move constantemente e em todas as direcções fazendo-me lembrar o vento que, vindo do mar, me afaga desde que nasci...
sábado, 26 de dezembro de 2009
RECEITA DE ANO NOVO
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
sábado, 14 de novembro de 2009
Cada vez que diz:
“gosto muito de si”
É como se eu ganhasse um presente especial.
Não que tenha dúvidas
De que gosta de mim
Mas porque, sendo raras as vezes Em que isso acontece,
O faz de um modo especial,
Brusco e quase envergonhado,
Mas com um olhar de ternura tão intenso
Que dissipa o tom pragmático da declaração.
Por isso, amor, diga-o mais vezes
Porque é no reviver desses momentos
Que mitigo a dor da nossa ausência.
SS
É como se eu ganhasse um presente especial.
Não que tenha dúvidas
De que gosta de mim
Mas porque, sendo raras as vezes Em que isso acontece,
O faz de um modo especial,
Brusco e quase envergonhado,
Mas com um olhar de ternura tão intenso
Que dissipa o tom pragmático da declaração.
Por isso, amor, diga-o mais vezes
Porque é no reviver desses momentos
Que mitigo a dor da nossa ausência.
SS
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
GLOSA
MOTE: O Outono é lindo como nós
Porque Nós somos o Outono E somos lindos- Isso pelo menos dizem os nossos olhos -Quando se cruzam depois do amor. Somos também imprevisíveis -Porque apesar de termos nascido de um acaso- Nos completamos nas coisas importantes da nossa humanidade E nos risos que trocamos a propósito de nada. O nosso lugar no mundo situa-se dentro de nós. Mas sobretudo somos fortes porque em nós se casam
A luminosidade de todas as Primaveras
Com os calores rubros de cada verão.
E quando chegarmos ao Inverno
Vamos ser aquecidos pelo calor dos nossos corações
E pelas vivências do percurso palmilhado
Através das estações de todos os nossos anos.
SS
Porque Nós somos o Outono E somos lindos- Isso pelo menos dizem os nossos olhos -Quando se cruzam depois do amor. Somos também imprevisíveis -Porque apesar de termos nascido de um acaso- Nos completamos nas coisas importantes da nossa humanidade E nos risos que trocamos a propósito de nada. O nosso lugar no mundo situa-se dentro de nós. Mas sobretudo somos fortes porque em nós se casam
A luminosidade de todas as Primaveras
Com os calores rubros de cada verão.
E quando chegarmos ao Inverno
Vamos ser aquecidos pelo calor dos nossos corações
E pelas vivências do percurso palmilhado
Através das estações de todos os nossos anos.
SS
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
QUERO-TE / AMO-TE
Quero-te
Porque me ouves
E não me criticas;
Porque sugeres
E nunca exiges;
Porque ocupado
Me dás o teu tempo:
Porque estás presente
Mesmo à distância;
Porque os teus silêncios
Falam mais do que as tuas palavras;
Porque me cuidas
Quando eu arrisco;
Porque despenalizas
As minhas incoerências…
Quero-te porque te quero.
Amo-te
Porque me aceitas
Como sou e com o que tenho;
Porque o teu corpo
Me serve de abrigo;
E, para além da firmeza e do calor,
Tem a medida quase perfeita
Para receber o meu.
SS
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
O Otrouxe o fim da espera
e prenuncia dias de paz e de prazer.
À saudade
une-se a ansiedade
de recuperar
um tempo perdido
que urge volte a ser de emoção, de sentidos, de palavras
E até de silêncios partilhados
Mas compreendidos no cruzamento de olhares.
Tivemos um dia de Primavera
Vivamos agora o nosso dia de Outono
SS
SS
domingo, 27 de setembro de 2009
POEMA PARA ESPERAR UM DIA NOVO
Não sei como vai ser,
Nem quando
Mas haverá um dia novo
Que fará esquecer
Os de esperanças perdidas.
Será azul,
Sem dúvida.
E haverá sol
Mesmo que seja de inverno.
E se for inverno
Não vamos sentir frio
Porque esse dia novo
Será necessariamente cálido.
Nós seremos os actores
E escolheremos o cenário
Que pode ser liso
De preferência branco
Como o lençol
Que abrigará nossa nudez.
SS
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
AMOR VADIO
Amor vadio
Não, não quero dizer
amor adúltero.
Este pressupõe 3 personagens
E pode ser confundido
Com um “ménage à trois”
Artificial e sem sentido.
Amor vadio é outra coisa:
È algo buscado
E vivido em ternura.
Não tem horário
Nem dias marcados.
Acontece
Quando e sempre
Dois corpos
Se querem ou podem encontrar.
E é um delírio de prazer.
Se iluminado pelas estrelas
Tem por por leito a lua;
Se é a vez do sol
Pode acontecer
Num campo de flores,
Na orla da maré vaza,
No virar de uma esquina,.
Ou simplesmente num olhar
É bom o amor vadio
Começa no coração
E acaba sempre nuns braços.
SS
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Apetecia-me surpreender-te a dormir
Nesse sono relaxado de uma tarde de verão.
Iria pé ante pé partilhar a tua nudez
E amar-te-ia sem que acordasses.
Seria um amor suave, lento,
Igual àquele que fazemos em sonhos
Quando estamos separados.
Beijar-te-ia todo
devagarinho,
timidamente,
Como se te descobrisse pela primeira vez.
Com a palma da mão, afagaria o teu rosto
E desenharia o contorno dos teus olhos.
Se entretanto não acordasses,
Subiria para cima do teu corpo
E, com movimentos de maré vaza,
Despertar-te-ia num convite irrecusável
Para ultrapassarmos os limites
De todos os prazeres da carne
E que nos faria planar como gaivotas
No espaço imenso de um areal.
SS
Partiste sem te despedires.
A princípio pensei que para uma viagem longa
Daquelas cujo regresso não têm data marcada
Nem percurso determinado
E mais parecem uma fuga.
Fiquei triste por não me teres avisado
Porque julguei que fugias de mim
E não tens porque o fazer.
Afinal
Deixaste sinais.
Não para que eu te encontrasse
Apenas para avisar
Que a tua ausência,
Mesmo que inesperada,
Não é mais do que uma retirada
Para dentro de ti,
Lugar sem espaço
E onde o tempo não existe,
Mas que sentes ter de arrumar
Para encontrares
O equilíbrio do teu ser
E abrires novos caminhos.
Estranha maneira de fazer férias
Para a qual não são precisos mapas,
Passaportes nem agências de viagens…
SS
sábado, 8 de agosto de 2009
Não sei se é saudade,
Este vazio que sinto e que me escorre pelo corpo.
Não! Talvez seja apenas a falta do teu corpo,
o sentir a tua pele a enxugar a minha,
as tuas mãos a procurarem os meus dedos e a cruzarem-se com eles,
o teu olhar que vem lá do fundo e se derrama sobre mim no justo instante em que acabas de me amar. Será mesmo que é só saudade este vazio que sinto?
ss
Este vazio que sinto e que me escorre pelo corpo.
Não! Talvez seja apenas a falta do teu corpo,
o sentir a tua pele a enxugar a minha,
as tuas mãos a procurarem os meus dedos e a cruzarem-se com eles,
o teu olhar que vem lá do fundo e se derrama sobre mim no justo instante em que acabas de me amar. Será mesmo que é só saudade este vazio que sinto?
ss
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Porque somos como pássaros
talvez me encontres
um dia
num cruzamento de voos.
Os meus marcados pelo cansaço
mas ricos pelos saberes ganhos
que me fizeram atingir
metas desconhecidas.
Os teus traçados
com o sabor da esperança,
do chegar mais alto,
e a avidez por novas rotas
que a tua juventude
e os teus sonhos
te permitem.
Ao contrário de mim
tu não sentes limites
podes partir para mil e uma aventuras
As tuas asas não estão ainda cansadas
e tens todo o mundo na mão.
Não serão contudo
estas diferenças,
que irão impedir
que talvez me encontres
um dia
num cruzamento de voos
à volta da poesia
SS
Nunca fui a África
por isso África para mim
era uma interrogação
cujas respostas procurava
nas páginas dos livros,
nas imagens das revistas
ou nos filmes
de guião made in Hollywwod.
Quando te encontrei
o teu coração falou-me da sua alma
que era chegada à tua,
do cheiro da terra em que te reconheces
e que conservas impregnado na pele.
Nos teus olhos assisti ao espectáculo
das cores dos jacarandás,
desfrutei dos crepúsculos sobre o mar
e das noites de luar na selva
entre animais e sons de batucadas.
As tuas palavras continham o sentir das gentes
e o respirar de uma atmosfera
diferente da minha
e que te pulsava nas veias
como se lá tivesses nascido.
E porque me buscaste,
trazendo dentro de ti esta vivência,
contagiaste-me com a tua África,
bem diferente daquela que eu imaginara,
mas que passou a ser a minha também.
SS
quinta-feira, 14 de maio de 2009
SAUDADES DO MAR
Hoje eu fui ver o mar
Há quanto tempo eu não o via!
Há tanto
Que quando caminhava
Tive receio de já não o reconhecer.
Mas fui,
A medo
Pensando que ele iria estar diferente
Ou até já não existisse
Claro que esta última premissa era falsa.
Se eu existo é porque estou na terra
E a terra para ser terra
Tem de ter o mar.
Não me aproximei.
Vi-o de longe
Para que ele não me visse a mim.
Como o mar deve estar zangado comigo
Julgando que eu o esqueci!
À distância a que fiquei
Via-o, mas não o sentia
Talvez porque era maré baixa
E ele, calmo,
Vinha morrer silencioso
Espraiando-se na areia.
A minha ânsia dele
Pedia um mar agitado,
A saltar o esporão
Derramando a espuma nas rochas
E apagando com o estrondo
Da queda da água
O grasnar rouco das gaivotas.
O que respeito no mar
E mo faz amar
É a sua força telúrica.
Hoje finalmente eu fui de novo ver o mar
Mas não matei as saudades
Porque se sumira de mim.
IL
domingo, 29 de março de 2009
terça-feira, 24 de março de 2009
QUANDO A SAUDADE BATE
É assim
Quando a saudade bate
Não basta o som das palavras
Nem a recordação dos dias que já foram.
Quando a saudade bate
Bate pelo tempo que há-de vir, mas não chega,
Pelo toque da pele de que se teme perder o cheiro,
Pelos silêncios que dizem mais do que as palavras,
Mas, sobretudo,
Pelo pela ânsia de sentir o teu coração
a bater encostado no meu peito
SS
quinta-feira, 19 de março de 2009
MONÓLOGO PESSOAL
Quantos tempos tivemos
Neste tempo?
O meu…
O teu…
O nosso…
Tempos
Que se cruzaram
No tempo colectivo
Daqueles que nos conheciam
E dos que nem imaginavam
Que nós existíamos
Mesmo vendo-nos passar.
Era um tempo cheio
De diálogo
Feito de palavras
De ideias
E de olhares partilhados.
O tempo que chegou agora
Levou com ele o nosso tempo.
Esvaziou as palavras
As ideias
E os olhares
E encheu o diálogo
Com tempos de solidão
SS
quarta-feira, 18 de março de 2009
AUSÊNCIA
Sentir a ausência
É notar o vazio deixado
Pelos pequenos nadas que faziam o nosso tempo.
Eram exactamente isso, pequenos nadas:
Um toque mesmo que casual de mãos,
Um golo bebido de copo alheio
Um elogio a um menu escolhido
Uma crítica monossilábica ao ambiente
Uma troca de olhares que só nos víamos
Mas onde cabia um pequeno mundo – o nosso.
Por isso a ausência me deixou sem chão.
A leitura solitária perdeu a riqueza do debate
E com ele foram-se os temas e as palavras
Que aquecíamos com fúria e com ternura.
Apesar de vestidos ficámos nus
De ideias, que não de sentimentos.
Hoje, a esta distância que nos separa,
De que poderemos falar
Senão deste Verão antecipado?
Soror Saudade
É notar o vazio deixado
Pelos pequenos nadas que faziam o nosso tempo.
Eram exactamente isso, pequenos nadas:
Um toque mesmo que casual de mãos,
Um golo bebido de copo alheio
Um elogio a um menu escolhido
Uma crítica monossilábica ao ambiente
Uma troca de olhares que só nos víamos
Mas onde cabia um pequeno mundo – o nosso.
Por isso a ausência me deixou sem chão.
A leitura solitária perdeu a riqueza do debate
E com ele foram-se os temas e as palavras
Que aquecíamos com fúria e com ternura.
Apesar de vestidos ficámos nus
De ideias, que não de sentimentos.
Hoje, a esta distância que nos separa,
De que poderemos falar
Senão deste Verão antecipado?
Soror Saudade
segunda-feira, 9 de março de 2009
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