Uma irreverência entre a memória e a saudade


Há um fio ténue que liga a memória com a saudade. Chamei-lhe irreverência porque ele se move constantemente e em todas as direcções fazendo-me lembrar o vento que, vindo do mar, me afaga desde que nasci...


quinta-feira, 24 de maio de 2018

POEMA SEM RIMA MAS COM SAUDADE




Com Maio chegava o Senhor de Matosinhos.
Era a hora de nos reunirmos todos
Para irmos para a folia
Às escondidas dos pais.
Trocava-se a escola
Pela corrida entre carrocéis
A roda gigante
As cestas
E os carrinhos de choque.
Chupávamos os pirolitos,
Os sorvetes
E trincávamos as nuvens de açúcar
circulando em corridas desenfreadas
por entre as barracas das louceiras
 que nos insultavam e enxotavam.
Que modos tão diferentes
Daqueles com que nos tratavam
Nas semanas a seguir
Quando íamos com os pais
Para comprar os bonecos para a cascata

Saudades dessa romaria tão longe no tempo.

Na loja do meu pai, na “Sultana”
Na semana anterior
Afluíam as “binas” (assim chamávamos às lavradeiras)
A comprarem luvas
Elemento fundamental
Para se esconderem as mão calejadas
Quando, no dia da festa,
Se praticava, nas traseiras das capelas do adro,
O namoro à “carreira”
Momento fundamental
Para eles e para elas
Compararem  os seus bens patrimoniais
Que para o caso interessava mais
 Que a beleza dos parceiros.
E assim se casou muita gente.!

À noite era a ida com os pais
Sobretudo na noite do fogo
Depois de comidas as farturas.
A cada foguete era um “ah” imenso
Que rebentava com eles…
E às vezes uma fuga às canas que caíam fora do lugar

No domingo, depois das bandas,
Visitavam-se as flores
Que enchiam toda a igreja.
E na semana seguinte
No mercado ou na lota
 Discutiam as mulheres
A beleza dos altares.

Saudades desse Senhor de Matosinhos
Bem naif por sinal
Mas que nos ocupava todos
E nos fazia esquecer
Que os dias que se seguiam
Eram de escola a valer.
…..
IL


 2018