Uma irreverência entre a memória e a saudade


Há um fio ténue que liga a memória com a saudade. Chamei-lhe irreverência porque ele se move constantemente e em todas as direcções fazendo-me lembrar o vento que, vindo do mar, me afaga desde que nasci...


sábado, 8 de setembro de 2012


Foi longa a manhã
vai longa a tarde

será longa a noite.
Tudo longo e vazio.
Nada me conforma
nada me diz nada.
Nada me satisfaz
Que saudades
de outro tempo

em que o sol me sorria
tudo valia a pena
e de tudo era capaz.


SS

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

MOMENTOS

Contei cada um dos dias
semana após semana
mês após mês

ano após ano
e tentei avaliar o grau de perfeição 

de cada momento dos que temos partilhado.

Perdi o valor certo para os imperfeitos
Porque a existirem, não dei por eles,
ou esqueci-os.
Talvez por isso todos me pareceram perfeitos.
Melhor dizendo, quase perfeitos
porque em qualquer resenha há sempre algo que se perde
por ignorância nossa ou erro na contagem.

E aqui sei o que me fez ter algum saldo negativo:
Os tempos de abstinência.
Nunca perdemos um momento perfeito possível
só não conseguimos foi lutar contra a ausência.


SS

quinta-feira, 6 de setembro de 2012


Para quê sonhar
se os sonhos se desfazem como fumo
cada manhã ao acordar?
SS

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

OS MEUS LIVROS



Primeiro há que escrever
aquilo que se gosta ou é capaz
prosa ou poesia, tanto faz.
Depois há que escolher

de tudo o que se elabora
o que mais lhe aprouver
ou apenas o que lhe apetecer
e ordená-lo com lógica

para que o entenda o leitor.
E é a vez do computador:
Copiar o texto inteiro
corrigi-lo e paginá-lo
e a seguir imprimi-lo.
Depois de uma verificação

para ver se está tudo certo,
chega a vez de lhe dar forma.
Há que cortar o papel,
com guilhotina ou x-acto
e em seguida acertá-lo
ou seja como que alindá-lo.

Das folhas passa-se ao livro:
Há que fazer uns furos na margem
de preferência na esquerda,

juntar as folhas por ordem
e, para não caírem na desordem,

logo depois cozê-las
umas às outras bem presas.
Cuidadinho com as rugas
pois queremo-las lisas e tesas.
Vinca-se-se ao meio um cartão
(com o dobro de cada folha)
Que servirá da capa ao dito.
Cola-se o caderno cozido
pela linha da dobragem
para fazer a lombada.


Em seguida vem o texto:
põe-se 1 cm de cola
no síto onde dobra a lombada
Na página do rosto e no final
(processo de disfarçar
o que houve de costurar).
Depois colam-se rótulos
com o título e a editora.
Deixa-se tudo a secar
debaixo de um peso grande

Gostaram? E depois?

Ofereço-o aos amigos
presumindo de artesã
porque além de escritora,

fui tipógrafa
encadernadora

e até mesmo editora.

SS

terça-feira, 4 de setembro de 2012



Há muitas maneiras de dizer
quanto te quero.

Eu prefiro não falar
porque as palavras enganam
e podem ser interpretadas
do modo ilusório
por quem as usa
ou por quem as vai escutar. 

Por isso agradam-me mais
os gestos
as carícias
os beijos e os abraços
e os olhares.

São coisas tão simples mas tão elementares
que nem precisam de tradução:
o modo como se trocam
revelam a quem nos vê

a exacta dimensão
da intensidade da nossa paixão.


SS

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

NOSSO DESERTO




Gostaria de atravessar contigo um deserto
onde não houvesse nada nem ninguém

e nós sentíssemos nessa longa imensidão
como que os donos do universo
e senhores de nós próprios de forma plena.

Seria nosso o direito de impormos um querer
sem controlo, sem vigilância, sem olhares acusadores.
Não seríamos reis, apenas dominadores
de um espaço vastíssimo onde nunca existiria
nada de tudo quanto nos fosse adverso.


SS

domingo, 2 de setembro de 2012

A ÚLTIMA MULHER QUE TOCA A MESMA MÚSICA



Quantas mulheres houve na sua vida?
Claro que não confessa
Talvez nem as tenha contado

mas dentro de si algo ficou guardado:
a marca de cada uma,
os porquês da afeição

os seus cheiros,
os corpos,
as maneiras de amar…

Não tenho ciúmes
de qualquer uma delas
nem do que cada uma foi para si.
Com alguma probabilidade,
se atendermos ao tempo que passa
e à nossa idade
no que toca a partilhar sentimentos
sinto-me candidata a ser a última
a usufruir essa oportunidade.


SS