Uma irreverência entre a memória e a saudade


Há um fio ténue que liga a memória com a saudade. Chamei-lhe irreverência porque ele se move constantemente e em todas as direcções fazendo-me lembrar o vento que, vindo do mar, me afaga desde que nasci...


sexta-feira, 11 de maio de 2012

PALAVRAS DE AMOR

Palavras de amor

não são as palavras que pronuncias
nos momentos em que o corpo
fala mais do que a alma.
A essas prefiro chamar sensuais
porque é a carne que lhes dá sentido.
Vivem da excitação do momento
e raramente são originais.

Palavras de amor, de verdadeiro amor,
são as fortuitas.
Surgem de repente
e escorrem por mim
como se estivesses a beijar-me inteira.
Ouço-as nos teus sorrisos
que consigo adivinhar à distância.
Nascidas da saudade
crescem na emoção de um esperado reencontro.
A cada dia que passa circulam entre nós
como um vaivém de promessas a pagar.
Quando as pronunciamos?

Nunca o sabemos,
mas para as ouvirmos
basta-nos falar.
SS



terça-feira, 8 de maio de 2012

TEMPO SEM RUMO

O tempo perdeu o rumo.

Ontem esteve sol.

Hoje está frio.

Chove

e o vento leva tudo pelo ar.

Se ontem pedia passeio,

estar na rua todo o dia

e roupagem muito leve,

hoje sugere lareira,

um sofá com uma manta

uma boa companhia

um livro e música de fundo.



Com estes pequenos nadas,

só coisas de trazer por casa,

poderia o tempo sem rumo

melhorar este meu mundo.


SS

domingo, 6 de maio de 2012

MÃE



mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"