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Uma irreverência entre a memória e a saudade
Há um fio ténue que liga a memória com a saudade. Chamei-lhe irreverência porque ele se move constantemente e em todas as direcções fazendo-me lembrar o vento que, vindo do mar, me afaga desde que nasci...
sábado, 19 de abril de 2014
sexta-feira, 18 de abril de 2014
CARTA DE DESPEDIDA DE GABRIEL GARCIA MARQUEZ
“Se, por um
instante, Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me
presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso,
mas, certamente pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo o que
valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a
cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria
quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando
os outros falassem e disfrutaria de um bom gelado de chocolate.
Se Deus me
presenteasse com um pedaço de vida vestiria simplesmente, jorgar-me-ia de
bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como também a minha
alma.
Deus meu, se
eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol
saisse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Mário
Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria
as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado
beijo das suas pétalas.
Deus meu, se
eu tivesse um pedaço de vida!… Não deixaria passar um só dia sem dizer às
pessoas: amo-te, amo-te. Convenceria cada mulher e cada homem de que são os
meus favoritos e viveria apaixonado pelo amor.
Aos homens,
provar-lhes-ia como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando
envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar.
A uma
criança, daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos
ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas
coisas aprendi com vocês, os homens… Aprendi que todos querem viver no cimo da
montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a rampa.
Aprendi que quando um recém-nascido aperta, com sua pequena mão, pela primeira
vez, o dedo do pai, tem-no prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem
o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas
as coisas que pude aprender com vocês, mas, a mim não poderão servir muito,
porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer.”
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