Uma irreverência entre a memória e a saudade


Há um fio ténue que liga a memória com a saudade. Chamei-lhe irreverência porque ele se move constantemente e em todas as direcções fazendo-me lembrar o vento que, vindo do mar, me afaga desde que nasci...


sábado, 9 de março de 2013





Pressinto-te a saudade 

Nas palavras escritas de cada dia

que se cruzam entre nós 


soltas e curtas, 

mas como se nos quisessem agarrar

e unir.

Sabe-me bem lê-las

quando não as posso ouvir.


SS

quinta-feira, 7 de março de 2013


 
Embrulhado em escuridão e nevoeiro
o sol tentou abrir
sobre a cidade ainda a despertar.

O rio surpreendido, tornou-se chão
e pareceu temer avançar.
Mas a luz irreal que o intimidara
ajudou-o a recompor-se
e, vagarosamente,

retomou o caminho para o mar .

 SS


Foto de Jorge Borges

quarta-feira, 6 de março de 2013




Sempre que parto

trago os teus olhos dentro dos meus.

Com eles entendo melhor

os estorvos do caminho

e da distância.

E quando estou longe iluminam o meu espaço, 

não aquele em que habito

e que partilho com o mundo,

mas um outro, só meu,

onde guardo apenas 

aquilo que para mim tem importância.


SS

terça-feira, 5 de março de 2013

PALAVRAS


Não me apetecem as palavras

quando tenho de as buscar.

Normalmente escondem-se de mim

naqueles sítios onde não querem ser encontradas

e brincam às escondidas


(para me dificultarem as rimas,

isto se quero rimar),

numa constante evasão.


Contudo quando me entrego

a um texto livre, com asas,

sem alta filosofia

ou cruzamento de rimas,

aproximam-se de mim 

com modos insinuantes

e até tão sensuais 

que o apetite me volta.


Nesse então


recolho-as numa braçada

e já não as largo da mão.


SS

segunda-feira, 4 de março de 2013

[Lê, são estes os nomes das coisas que]

Lê , são estes os nomes das coisas que
deixaste – eu, livros, o teu perfume
espalhado pelo quarto; sonhos pela
metade e dor em dobro, beijos por
todo o corpo como cortes profundos
que nunca vão sarar; e livros, saudade,
a chave de uma casa que nunca foi a
nossa, um roupão de flanela azul que
tenho vestido enquanto faço esta lista:

livros, risos que não consigo arrumar,
e raiva – um vaso de orquídeas que
amavas tanto sem eu saber porquê e
que talvez por isso não voltei a regar; e
livros, a cama desfeita por tantos dias,

uma carta sobre a tua almofada e tanto
desgosto, tanta solidão; e numa gaveta
dois bilhetes para um filme de amor que
não viste comigo, e mais livros, e também
uma camisa desbotada com que durmo
de noite para estar mais perto de ti; e, por

todo o lado, livros, tantos livros, tantas
palavras que nunca me disseste antes da
carta que escreveste nessa manhã, e eu,

eu que ainda acredito que vais voltar, que
voltas, mesmo que seja só pelos teus livros.

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA