Uma irreverência entre a memória e a saudade


Há um fio ténue que liga a memória com a saudade. Chamei-lhe irreverência porque ele se move constantemente e em todas as direcções fazendo-me lembrar o vento que, vindo do mar, me afaga desde que nasci...


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Nesta casa,
volto à infância
no calor das tardes,
no amodorrar da sesta,
no zumbido das vespas
que pareciam contar histórias sem fim
no seu voo sussurrante junto das minhas janelas,
no ladrar dos cães, meus guardiães e cúmplices de aventuras,
no bater das horas no sino da capela

e no assalto às maçãs da dispensa do padre
(distraído na conversa com a catequista)
enquanto, nós, a canalha, esperava pela hora da doutrina,
e, sobretudo, nas noites das desfolhadas e das espadeladas, entre risos e cantares…

 Ah, como eu recordo feliz o Douro da minha infância,
apesar de estar lá no papel da “doentinha”,
da menina dos pulmões fraquinhos
a quem nunca ninguém impediu de subir ás arvores
ou andar distâncias sem fim a pé para ir à feira de Lousada.
E o certo é que não morri e acabei vacinada.

Cresci fogosa e apaixonada
E na saudade pelo tempo que vivi

Mas este Douro, o meu Douro de hoje

é mais "doiro"
não por eu ser mais velha,
mas porque agora me extasio menos com as pessoas
mas mais com a Natureza.
Sinto-me plena nesta extensão
que promete não ter fim,
onde o silêncio se confunde com o calor
ou vice-versa,
e as cores se reflectem em mim
vestindo-me da cor da paz,
algo entre o vermelho e o castanho
que se confunde com o verde da terra e o dourado do sol.

Aqui percebi que existe Deus
porque só um ser especial,

nunca um pintor,
poderia ser o autor de uma tela desta beleza
onde, sem aparecermos,
nós e todo o mundo estamos lá.

SS
 

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