Uma irreverência entre a memória e a saudade


Há um fio ténue que liga a memória com a saudade. Chamei-lhe irreverência porque ele se move constantemente e em todas as direcções fazendo-me lembrar o vento que, vindo do mar, me afaga desde que nasci...


sábado, 19 de março de 2016


Há pouco senti uma porta bater
E pensei em ti, pai, 
porque era aquela a hora em que saías 
para trabalhar. 
e para me levares ao colégio
e depois ao liceu 
e, mais tarde, orgulhoso,
a Coimbra
Então disseste-me: 
Como vai ser bom quando te vier buscar
já doutora.
Isso não aconteceu
porque partiste da minha vida
logo nesse ano
e perdemos juntos 
a maior parte de nós: 
Não me viste formar
Não me levaste ao altar,
Não conheceste as tuas netas
(não conhecer é um modo de dizer, 
porque tanto falámos de ti
que até tens um bisneto João, como tu,
o mais novo da família)
Como vês, ainda és falado entre o mulherio
da casa que nos deixaste
(coisa estranha quando nem a tuas netas
nem as bisnetas te conheceram).
Talvez a minha mãe, com quem já estás,
te tenha falado das netas
porque com quem as bisnetas também não conviveu.

Pai
Hoje é dia dos pais cá na terra, como te lembrarás.
Um dia para te festejar.
Dentro de mim assim o farei
como o faço todos os dias
porque nunca senti que me tivesses abandonado.
Sempre te senti dentro de mim.

Espera! … senti agora mesmo 
Uma brisa leve a passar…
Não resististe…já percebi!
Desceste de onde estás só para me beijar.

Um beijo enorme embrulhado em saudade
Isabel

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